quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Resumo do livro: Direitos Humanos, Direito Constitucional e Neopragmatismo - KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira.

NEOPRAGMATISMO KAUFMANN
PARTE II
DIREITOS CONSTITUCIONAL NO BRASIL
  1. A HERANÇA POSITIVISTA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E A SUBJUGAÇÃO DO STF

O direito constitucional não teve no passado grande prestígio nos círculos acadêmicos, com a herança atrasada do estado liberal europeu (sec xix), o brasil o direito privado é valorizado, condição de respeitabilidade acadêmica do jurista para que seja reconhecido.
Havia dúvidas se o direito público e constitucional com seu conteúdo semi político eram efetivamente direito ou pseudo direito.
Para “regularizar” importou-se conceitos de direito civil (privado), passando a dar conotação organizacional às instituições de direito público: tipos de constituições, característica etc.
Seguindo tradicional esquema de positivismo alemão mesmo tratando de direito público de forma meramente expositiva.
Porém a lógica dedutiva e o domínio técnico desta não bastam para compreender o movimento de nascimento e consolidação de direitos e da constituição.
O direito constitucional, para ser bem conhecido e estudado, exige uma noção interdisciplinar, o pensamento puro do fenômeno jurídico em compatibilidade com a imprevisibilidade da dinâmica política.
Até 88 o direito constitucional estava entre os campos mais fluidos e indeterminados do Direito, se perdia em um grande esquema organizatório do estado. Faltava ainda um tribunal que formasse um eixo para os estudos em dto constitucional.
O STF tem uma história de intercorrências que subjugaram sua autoridade institucional e enfraqueceram a política de suas decisões, o que tornou o órgão cautelo excessivamente para não se imiscuir em assuntos políticos.
3 episódios são representativos dessa debilitação do dto constitucional:
  • HC no início do período republicano - Logo após a constituição de 1891 a república passava por crises provocadas pela produção desordenada de papel moeda. Rui Barbosa ajuizou uma sequência de HC e o STF se acovardou ao não exercer um papel mais decisivo na crise. Rui alegava inconstitucionalidade do estado de sítio declarado pelo governo federal e a ilegalidade das prisões efetuadas com base nisso. O tribunal lavou as mãos decidindo que não era“da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas funções políticas do Poder Executivo ou Legislativo.” Floriano Peixoto foi ao STF ameaçar: “Se os juízes do Tribunal concederem o habeas-corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas-corpus de que, por sua vez, necessitarão.” O presidente deixou de acatar alguns HC e ao nomear ministros substitutos do STF o fez em provocação nomeando médicos e generais, posteriormente rejeitados pelo Senado.

  • A posição política do STF durante o estado novo - STF teve se que subordinar aos demais poderes em relação à sua prerrogativa de declaração de inconstitucionalidade de leis, com a constituição de 1937. art 96: “no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a  juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.” Getulio dissolveu o parlamento e não convocou como determinava a constituição. Havia ainda proibição do judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas.

  • A relação do tribunal com o golpe militar de 1964 - a corte se viu encurralada ao ter que julgar casos de violação de direitos humanos contra o regime. Foram deferidos vários HCs que trouxeram ameaças de fechar o STF. Foi editado o AI nº2 aumentando o número de ministros para 16, para tentar neutralizar as opiniões contrárias lá dentro. Com o AI 6 voltou para 11 vagas, extinguindo as vagas dos ministros contrários ao regime.
Por conta desses casos , o STF passou a restringir sua atuação para julgamentos meramente técnicos mesmo no período pós redemocratização e enfraquecendo o dto constitucional.

2. O VÁCUO DISCURSIVO DO DIREITO CONSTITUCIONAL QUANDO DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A IMPORTAÇÃO DE UM MODELO
A tradição privatista, a falta de estabilidade constitucional, a inexistência de uma corte constitucional e 25 anos de período de exceção que antecederam crfb 88 enfraqueceram o estudo do direito constitucional. A constituição era semântica. A constituição de 67 foi sendo “revogada” pelos atos institucionais.
O direito estrangeiro era reproduzido no brasil ganhando novo contexto.
O olhar privatista ainda prevaleceu nos primeiros anos de CRFB88, porém logo se percebeu que houve uma mudança de parâmetro democrático, exigindo “novos” juristas com novas mentalidades. Foi crescendo a visão de que o Poder Judiciário poderia ser um herói no combate ao ambiente político que era sinonimo de abusos e desrespeito institucional.
A busca dessa nova identidade se deu por meio da busca no direito comparado de saídas: “teoria geral dos direitos fundamentais” para os germanistas e, mais atualmente, como “neoconstitucionalismo” para os leitores dos espanhóis e italianos.
A CRFB 88 trazia também a preocupação de que não fosse meramente semântica, buscava mecanismos de garantir a efetividade e vinculatividade. O Poder Judiciário se apresentava para resolver essa questão, como garantidor democrático. Precisava se criar uma teoria em que o Judiciário estivesse no centro de consolidação do projeto democrático, portanto, uma teoria jurídica ou dogmática, com pretensões de objetividade, universalidade e de antecipação dos problemas práticos. Uma tentativa transcendental de domesticar o futuro.
Inicia-se a crítica aos elementos tradicionais privatísticos dentro do direito constitucional. Hesse (busca indo além da segurança, pela verdade, excluindo a subjetividade) e Müller (superar o casuísmo da jurisprudência) foram de grande impacto nesse período.
Esse modelo racional de perspectiva constitucional deu boa resposta nos primeiros anos de CRFB, era refratário à tradição privatística, aberto e principiológico, reafirmava o papel protagonista do Judiciário, dava prestígio ao jurista embasado nos países dos quais se importaram as teorias.
O fracasso da perspectiva positivista no direito constitucional se deu com os regimes totalitários da segunda guerra mundial que eram estados de direito.
A Jurisprudência de Valores da Alemanha alterou radicalmente a perspectiva, abandonando o prestígio dos elemtnos positivos para o destaque da cultura e do espírito do direito constitucional. Rudolf Smend, o Estado é um contínuo processo dinâmico de integração de vários elementos sociais e culturais, cabendo à constituição plasmar a normatividade representativa desse processo. Smend retira os juristas constitucionalistas do conforto de análise de um objeto estático, para que se analise questões políticas e culturais para se entender a constituição.
Houve gradual superação da ideia do direito como dedução lógica a partir de um método formal. Os valores foram se tornando autônomos como fonte de direito e centrais na atividade jurisdicional, em especial com a chamada “Jurisprudência de Valores”, que é a base doutrinária do discurso constitucional atual.
O protagonismo normativo deixou paulatinamente de ser democrático (legislador) para ser da seara jurisdicional. A Jurisprudência de Valores passa a ser uma veneração ao trabalho do juiz constitucional e da doutrina constitucional e uma visão suspeita da eficiência legislativa.
Nos primeiros anos de CRFB houve um esforço para encontrar explicação racional para contradição de um sistema democrático que suspeita dos poderes executivos e legislativos, justamente os que são eleitos. Como se houvesse algo fora do mundo em relação ao qual somente a Corte Constitucional tivesse acesso privilegiado por meio de sua racionalidade político-jurídica.


3. O DIREITO COMPARADO UNIVERSALIZANTE COMO CATALIZADOR NA IMPORTAÇÃO
A necessidade de sempre encontrar uma justificativa no direito comparado, uma explicação para o bom funcionamento das nossas instituições, como um meta-Direito, um norte a ser seguido, prejudica a busca de entendimento a partir do nosso próprio contexto histórico e institucional.
Este uso excessivo do direito comparado elitiza o discurso, tornando-o inacessível, trazendo prestígio e senso de cientificidade. Ademais, acua os juristas de trazer novas opções hermenêuticas.
As três fases do direito comparado:
1º 1900 - inaugurou uma fase do direito comparado que veio em superação ao estudo da disciplina como simples atividade de cotejo legislativo entre países. Exigiam a “pureza” dos países comparados que deveriam ter mesmos níveis de desenvolvimento político-social, econômico e moral a constituir os países civilizados.
2º - Período entre guerras - após a 1ª guerra houve o desaparecimento de muitos estados e surgimento de outros na Europa. O que levou ao trabalho de construção de sistemas jurídicos. Estes comparatistas buscavam uma concepção politicamente engajada, formação de um Direito único e pacifista.
3º - Pós Segunda Guerra -  Também norteado por um senso de universalismo dos valores jurídicos. Mas aqui os horrores da guerra deixaram clara a necessidade de defesa firma dos direitos humanos. Há comparações político econômica dos lados.
O uso excessivo do direito comparado faz assimilar a necessidade injustificada de padronização da forma de se interpretar Constituições e princípios constitucionais, deixando muito pouco espaço de tolerância para medidas criativas e específicas de defesa de direitos em realidades peculiares.

4. “TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS” E “NEOCONSTITUCIONALISMO”: CONSEQÜÊNCIAS PARA O DISCURSO CONSTITUCIONAL NO BRASIL. CRÍTICA.

A “teoria geral dos direitos fundamentais” , alemão, pretende construir uma metódica juspublicista e moderna capaz de dar tratamento racional à abertura semântica dos direitos fundamentais. Já o “neoconstitucionalismo”, movimento mais recente,espanha e itália,  pretende agregar as posições teóricas que se formaram no bojo de uma leitura mais principiológica e axiológica da Constituição.
Para o autor a diferença entre ambas é mera filigrama técnica.
Ambas representam o momento atual do discurso do direito constitucional no Brasil.
A “teoria geral dos direitos fundamentais” parte de dois pressupostos básicos: cabe à racionalidade a atribuição especial de criar ou descobrir a melhor maneira de se trabalhar técnica e objetivamente com direitos fundamentais; e, atribuindo força normativa a esses direitos, acreditam que somente existe Constituição se houver também um Poder Judiciário
forte e instrumentos processuais de garantia dessa efetividade à disposição de todos.
Aprofundam-se em princípio (ou regra) da proporcionalidade, no núcleo essencial de direitos fundamentais, no método de ponderação de valores (ou concordância prática) etc. Representante é Alexy.
O juiz, para resolver problemas relacionados à aplicação de direitos fundamentais deve seguir um roteiro que passa pela identificação dos direitos fundamentais em jogo comparando o alegado com os critérios objetivos traçados pela teoria. Após deve analisar a lei ou ato que restringe o direito para saber se este também se baseia em direito fundamental. Em seguida buscar o núcleo essencial do direito violado e verificar que a não aplicação da lei agride o direito que se quer realizar. Depois no conflito dos direitos aplica-se o princípio da proporcionalidade para se identificar se a limitação é legítima ou não.Observa-se se o ato é meio apto a se chegar ao resultado pretendido, se o ato é a forma menos agressiva de se chegar ao resultado e, finalmente, se o ato é compatível com o conjunto de direitos da Constituição. Comportando variações caso a caso.
A teoria em questão trabalha com o tripé: “proporcionalidade – núcleo essencial – ponderação (concordância prática)” acima representado.
O autor critica que essa teoria encobre os problemas graves por detrás das questões, buscando um discurso técnico autorreferente ignorando a sensibilidade política que deveria estar sendo analisada.
Gerou-se um elogio à solução de casos fundada em direitos fundamentais, por menor que seja o problema, qualquer que seja a seara, em teses como irradiação dos direitos fundamentais, dimensão objetiva dos DF, eficácia horizontal dos DF, máxima eficácia absoluta dos DF, constitucionalização do direito.
Para o autor, a teoria está longe de ser democrática, muito embora tenha a importância de ter superado o discurso privatista e positivista.
Mas seu caráter transcendente acabou retirando os direitos humanos do campo prático da política para aprisioná-lo no Poder Judiciário.
O protagonismo judiciário trazido pela “teoria dos direitos fundamentais” resultou, inevitavelmente, na centralidade do jurista no Estado Democrático de Direito.
Neoconstitucionalismo se trataria de uma etapa posterior da teoria dos DF: preg mais princípios do que regras, mais ponderação do que subsunção, onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e conflitos minimamente relevantes, onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador, coexistência de uma constelação plural de valores.
“Mais princípios do que regras” para o autor não faz sentido para o pragmatista. “Mais ponderação que subsunção” quer implicar em um método puro, racional e objetivo. Para o pragmatista também não faz sentido uma vez que a hermenêutica é subjetiva, política, histórica, volitiva, não havendo método puro.
“Onipresença da constituição e onipotência judicial” implicam uma exclusão, reduzindo a escolha do legislativo, avançando além da teoria dos DF ao eliminar o espaço discricionário do legislador. Enquadra o Judiciário e o STF em especial como responsável pela última palavra em matéria de interpretação constitucional, no centro do Estado Democrático de Direito, excluindo o protagonismo do cidadão que elegeu seus representantes. Essa onipresença é a supremacia do jurista constitucional, que dita os limites transformando-se em ditadura do judiciário reforçada pelo discurso elitista da racionalidade jurídica da ponderação.
Quanto à aproximação entre direito e moral, o autor aponta como uma face perversa do neoconstitucionalismo. Afirma-se nessa corrente que não pode haver normas jurídicas injustas, para criticar o positivismo, porém não se define conceitos como o que seria justiça e norma justa.
Ainda que tenha havido a boa superação do positivismo jurídico, não se pode conceber que onze ministros do STF ditem a partir de suas impressões pessoais de mundo o que é moral e o que é justo. No campo político, o candidato eleito representa a visão de mundo do eleitor. O STF eleger padrão de moralidade está apartado de apelo democrático e justificativa institucional.
Com isso, torna-se claro que tanto sob o enfoque da “teoria dos direitos fundamentais”, quanto pelo olhar do “neoconstitucionalismo”, o discurso constitucional praticado no Brasil acaba por ser antidemocrático sob um duplo aspecto: coloca o Judiciário, o juiz e o jurista no
centro das decisões políticas (afastando a autoridade democrática do Parlamento) e força o império de vigência de uma visão moral da sociedade, não a visão moral majoritária, mas a visão moral do Judiciário, do juiz e do jurista.


5. ESGOTAMENTO DO MODELO. CONCLUSÕES.

A democracia alcançada com a CRFB vem apresentando preocupante centralidade do Poder Judiciário e a noção de que cabe a ele garantir os livres processos de decisão política.
Esse Decisionismo judicial tem forçado o deslocamento de noções como direitos humanos para a exclusiva apropriação do Direito, construindo um déficit democrático na mentalidade do brasil.
A eficácia dos direitos sociais acaba testando a teoria dos DF e o Neoconstitucionalismo, revelando a fragilidade dessas teorias, uma vez que a ideia de que há uma única solução correta e de que a função de encontrá-la cabe à racionalidade jurídica por meio do jurista impede que se avalie o problema por outras óticas. O que leva o jurista a buscar resposta meramente teórica e retórica, buscando um novo princípio, ao invés de investigar casos práticos e analisar a repercussão política.
O autor cita como exemplos dessa falha os princípios da proibição do retrocesso ou a eficácia máxima dos direitos sociais, como esforços apenas teóricos que apenas maquia a profundidade e complexidade do problema político.
Mesmo problema se dá quando se apresenta caso que contrapõe dois direitos humanos até então absolutos, como liberdade de expressão vs privacidade. O jurista tenta encontrar uma revelação como se a ele estivesse reservado o papel de revelador da verdade ou da resposta correta, passando a reclassificar, conceituar, demarcar etc, resultando em mais teoria e técnica não necessariamente mais eficiência.
O discurso importado e aqui reproduzido é excludente e antidemocrático. Torna o tema inacessível. Entender os conceitos da teoria torna-se mais importante do que a própria solução do problema apresentado.
O discurso dos direitos humanos se atou de maneira íntima à racionalidade e esqueceu-se do poder central da sentimentalidade nessa engrenagem.
Ele cita como ferramentas pragmatistas e anti técnicas a audiência pública e o amicus curiae.
Ele afirma que é necessário acabar com esse tom moralista intolerante e religioso hoje adotado no direito constitucional, de nascente anti-democrática, já que a constituição tem natureza abstrata e transcendental.
Por fim ele questiona como superar esse discurso moral no direito constitucional sem retornar ao positivismo? Como superar o atual desenho do Supremo Tribunal Federal como “guardião da democracia” e seu discurso feito para juristas, re-incluindo o cidadão na consolidação dos direitos?

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